sexta-feira, 27 de junho de 2025

O RAULZITO FARIA 80 ANOS NESTE SÁBADO. EIS UM ARTIGO QUE RELEMBRA O SEU MAIS BELO SONHO: A SOCIEDADE ALTERNATIVA.

No início dos anos 80, quando trabalhava em revistas de música, tive uma breve amizade com o Raul Seixas.

O que nos aproximou foi termos ambos 1968 como referencial maior de nossas existências. 

Canções tipo "Metamorfose Ambulante", “Tente Outra Vez”, "Cachorro Urubu" e "Sociedade Alternativa" lavavam minha alma, num momento em que a velha esquerda rabugenta se reerguia, passando como um rolo compressor sobre os loucos sonhos dourados da  geração das flores.

De papos sóbrios e etílicos que tive então com o Raulzito, posso dizer que o lance da sociedade alternativa era, basicamente, o de agruparmos as pessoas com boa cabeça em comunidades que estivessem, ao mesmo tempo, dentro do sistema (fisicamente) e fora dele (espiritualmente).

Essas comunidades existiram no Brasil, de 1968 até meados da década seguinte. Nelas praticávamos um estilo solidário de vida, buscando reconciliar trabalho e prazer. Procurávamos ter e compartilhar o necessário, evitando a ganância e o luxo.

Acreditávamos que um homem novo só afloraria com uma prática de vida nova; quem quisesse mudar o mundo dentro das estruturas podres, acabaria sendo, isto sim, mudado pelo mundo.
Woodstock 69, o festival da paz e amor  

Vimos esta previsão melancolicamente confirmada adiante. Companheiros que um dia travaram dignamente o bom combate foram se tornando indiferentes aos dramas do povo brasileiro; existiram até uns tantos que se bandearam para a direita e outros que, para nossa imensa vergonha, se desnortearam com a embriaguez do poder a ponto de delinquirem. 

De nossa parte, em vez de conquistarmos o governo para acumularmos poder e tentarmos implantar uma sociedade mais justa de cima para baixo, nós queríamos deslocar o eixo para o sentido horizontal. 

Ou seja, acreditávamos em ir praticando uma vida não-competitiva em comunidades que se entrelaçariam e cresceriam aos poucos, até engolirem a sociedade antiga. Hoje a coisa não seria tão simples assim, mas, como ponto de partida, por que não?

As teses e posturas da chamada Nova Esquerda dos anos 60 continuam sendo uma das melhores tentativas que podemos fazer para sairmos deste inferno pamonha que o capitalismo globalizado engendrou. Daí o empenho dos conservadores de direita e de esquerda (eles existem, sim!) em relegá-las ao esquecimento. 1968 ainda é tabu..
O NÉO-ANARQUISMO 
.
Maio de 1968: barricada numa rua de Paris.
Se, como todo mundo diz, a sociedade alternativa proposta pelo Raulzito tinha muito a ver com os livros do bruxo Aleister Crowley (que ele e o Paulo Coelho andaram traduzindo do original), também se inspirava nas barricadas parisienses, nas comunidades hippies e na contracultura, o que poucos apontam.

Ele e eu conversamos muito sobre isso; éramos ambos saudosos dos tempos em que tentávamos nos tornar homens novos, na convivência solidária com os irmãos de fé em nossos territórios livres.

A referência ao maio/1968 francês é óbvia, p. ex., na segunda estrofe de "Cachorro Urubu": "E todo jornal que eu leio/ me diz que a gente já era,/ que já não é mais primavera./ Oh, baby, a gente ainda nem começou."

Os conservadores sempre tentaram reduzir a obra do Raulzito a uma provocação artística, sem maiores consequências políticas e sociais. Mas, ele não era meramente um gênio de comportamento bizarro, como tentam retratá-lo, folclorizando-o para torná-lo inofensivo.

Era, isto sim, um homem sintonizado com o néo-anarquismo que esteve em evidência na Europa e EUA na virada dos anos 60 para os 70. E só não dizia isso de forma mais explícita em suas canções porque o Brasil era um estado policial, submetido a uma censura rígida, embora burra.

Este não era, claro, o único aspecto de sua multifacetada personalidade – talvez nem o principal. Mas é o que mais tem sido omitido pelos que querem fazer dele apenas um monumento do passado, não um guia para a ação no hoje e agora.
.
LIKE A ROLLING STONE 
.
Woody Guthrie (esq.) inspirou fortemente Bob Dylan
Eu morei numa comunidade alternativa, em 1971/72. 

Foi uma experiência riquíssima, num momento em que eu precisava extravasar as emoções represadas no cárcere e me reconstruir, já que o sonho de uma sociedade de liberdade e justiça social ficara adiado por décadas e eu, esperançoso como qualquer adolescente, não me preparara psicologicamente para suportar a sociedade unidimensional que a contra-revolução erigiu.

Atrapalhava muito, naquela terrível Era Médici, a tensão entre a liberdade que conseguíamos vivenciar em recinto fechado e o terror e o medo que grassavam lá fora.

Vivíamos acuados, os cidadãos comuns nos olhavam com receio ou rancor por causa de nossas cabeleiras e roupas extravagantes. Enquanto isso, a economia deslanchava e alguns sentiam-se tentados a ir buscar também o seu quinhão do  milagre brasileiro.

Hoje, quem tem olhos para ver já pode aquilatar o que é a sociedade de consumo e a posição de país periférico na economia globalizada: parafraseando Conrad, "o horror, o horror!".

Acostumado aos tempos em que se labutava para viver, eu não consigo aceitar que atualmente as pessoas vivam para trabalhar, mobilizadas por objetivos profissionais umas 14 horas por dia (expediente, horas extras que dificilmente são pagas, cursos e mais cursos de atualização profissional, etc.).
A lendária comunidade pioneira
E tudo isso para quê? Para poderem comprar um monte de objetos supérfluos e quase nunca encontrarem relacionamentos gratificantes no dia-a-dia, pois já não sabem mais interagir –querem apenas usar umas às outras.

Então, fico pensando que, em lugar de levarmos vida de cão dentro do sistema, poderíamos, como então, estarmos todos nos agrupando em casarões da cidade e sítios no campo, criando pequenos negócios para subsistência, plantando, levando uma vida simples mas solidária. Reaprendendo a ter no outro um irmão e não um competidor.

Com as facilidades de comunicação atuais (que fizeram muita falta em 1968 e anos seguintes), essas comunidades urbanas e rurais se entrelaçariam, ajudando umas às outras, trocando o que produzissem, prescindindo dos bancos, escapando dos impostos e das formas de controle do Estado. Em suma, praticando criativamente, adaptados aos dias de hoje, os ensinamentos de Thoreau em A Desobediência Civil.

Seria um ponto de partida. E, conforme os territórios livres fossem crescendo, poderiam até virar algo mais sério – uma alternativa para toda a sociedade...

COMO FAZER 
.
Nas comunidades de 1968/72, o que se fazia era reviver a velha democracia grega: reuniões para se decidir os assuntos mais importantes, para nos conhecermos melhor, para sonharmos e brincarmos.

Podia começar num debate acirrado e terminar com todo mundo nu dançando ao som de "Let the sun shine in" (com inocência, pois não éramos dados ao sexo grupal).

Enfim, tentávamos existir plenamente como grupo, esforçando-nos para superar o egoísmo e a possessividade.
Na Bahia, Arembepe era o paraíso agora... 

Havia problemas, claro. Emprestávamos ao outro o que ele estava precisando mais, numa boa; só que, às vezes, descobríamos na enésima hora que alguém tinha levado sem pedir aquilo que a gente ia usar. Dava discussão e os limites tinham de ser depois definidos na reunião coletiva da nossa 
comuna.


Também não era fácil administrarmos o jogo das paixões. Minha amizade com um ótimo companheiro andou estremecida por uns tempos quando a namorada rompeu com ele e iniciou uma relação comigo. Por mais que quiséssemos nos colocar acima de sentimentos menores como o ciúme, eles existiam e nos machucavam.

O importante, entretanto, era essa vontade que todos tínhamos de superar as limitações de nossa educação pequeno-burguesa e viver de forma generosa e solidária.

Quando alguém tinha um problema, era de todos. Quando alguém estava triste, logo um companheiro ia perguntar o motivo. Tudo que podíamos fazer pelo outro, fazíamos.

Onde erramos? Duas vaciladas fatais implodiram a comuna. 
...dos bichos grilos daqui e de hermanos

Uma foi deixarmos a droga correr solta – LSD e maconha, principalmente, pois o propósito era abrirmos as  portas da percepção, no dizer de Huxley. Isto, entretanto, trouxe à tona facetas da personalidade reprimida que o grupo não conseguia administrar. Acabaram ocorrendo conflitos, rompimentos.

A outra foi recebermos de braços abertos todos os pirados que surgiam, vendo um amigo em cada pessoa que parecesse estar fora do sistema. Como sempre, apareceram os aproveitadores, os parasitas, os pequenos marginais. E a polícia veio atrás.

Mas, as experiências que vivenciamos foram tão intensas que aquele ano valeu por uns cinco. Foi com imenso pesar que vimos aqueles laços se romperem, sendo obrigados a voltar, cada um por si, à luta inglória pela sobrevivência. Era uma tortura sermos obrigados a correr de novo atrás do ouro de tolo, quando não tínhamos mais  aquela velha opinião formada sobre tudo...

Com algumas correções de rumo e numa conjuntura menos repressiva, as comunidades ainda poderão ser viabilizadas. Há que se tentar outra vez. Mesmo porque, como disse o Raul, "basta ser sincero e desejar profundo/ você será capaz de sacudir o mundo".
.
O NOVO DESAFIO
.
A tentativa de irmos engendrando uma alternativa ao sistema dentro do próprio sistema tem muito mais a ver agora do que no tempo do Raul, pois os homens precisarão unir-se para enfrentar a crise das alterações climáticas.
Acidente nuclear japonês: um terrível alerta. 

Na segunda metade deste século, o planeta será fustigado por terremotos, maremotos, furacões, tufões, tsunamis, inundações, fome e seca. As perdas poderão ser diminuídas se os homens se ajudarem mutuamente, sem o egoísmo e a competitividade capitalistas; caso contrário, até mesmo o fim da espécie humana não estará descartado.

O futuro da humanidade não pode ficar à mercê da ganância, sob pena de interesses mesquinhos acabarem destruindo o planeta.

Os homens têm de encontrar formas de organizar-se para a produção em termos solidários, visando o bem comum e não o lucro. Cooperarem em vez de competirem.

Mas, isso não pode ser imposto por uma burocracia. Chega de ditadura do proletariado, estatização compulsória da economia e outras experiências que malograram!

É uma mudança de cultura que teremos de efetuar voluntariamente, se quisermos legar aos nossos descendentes algo além de uma Terra arrasada.

Precisaremos construir algo novo a partir da cooperação voluntária dos cidadãos. Mostrarmos que o bem comum deve prevalecer sobre os interesses individuais. Convencermos os recalcitrantes ou mantê-los fora da nova sociedade que estivermos criando. E isso fazendo o possível e o impossível para evitarmos que ela também descambe para a coerção e a repressão.
"...e o mundo será um só!"

E não serão os podres poderes atuais que vão encabeçar essa luta. A união de que necessitamos deve ser forjada a partir de agora, como uma rede a ser montada pelas pessoas de boa cabeça, independentemente de governos e partidos políticos.

Se o enfrentamento da maior ameaça com que os homens já se depararam não propiciar o surgimento de uma sociedade melhor, nada mais o fará. (por Celso Lungaretti)

quarta-feira, 25 de junho de 2025

COMO DESGRAÇA POUCA É BOBAGEM, NOSSO PAÍS PODERÁ SER PRESIDIDO POR MICHELLE, A ISABELITA BRASILEIRA.

As pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial de 2026 estão apontando quatro candidatos com chances significativas de irem para o segundo turno: Lula, Michelle Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e Eduardo Bolsonaro.

A novidade é que Lula leva vantagem sobre Tarcísio (34,0% a 24,3%) e o bananinha (33,8% a 21,3%), mas perde para a aspirante a Isabelita brasileira (40,6% a 44,4%). 

Refiro-me à terceira esposa do ex-presidente argentino Juan Domingo Perón; a recapitulação abaixo explica o porquê.  

Antes, ele tinha sido casado com a professora Aurélia Tizon, que morreu em  1938. Depois, em 1945, esposou a atriz de novelas radiofônicas e cinema Eva Duarte, a famosa Evita, que teve importância fundamental para ele chegar à presidência em 1946 e, após ser deposto em 1951, conquistar nas urnas um segundo mandato, para o período 1952-1955.

Carismática, hábil comunicadora e com faro para a política populista, ela foi tão relevante quanto o próprio marido para a afirmação do peronismo.

A morte de Evita em julho de 1952, vítima de câncer no útero, deixou Perón à deriva, sob forte oposição da direita e dos militares, além de obrigado a adotar medidas polêmicas para conservar o apoio de sua base, os peronistas. 
Escapou de uma tentativa de golpe em junho de 1955, quando a Casa Rosada, sede do governo, chegou a ser bombardeada, mas os fardados voltaram à carga três meses depois, quando um grupo nacionalista do Exército e da Marinha se revoltou em Córdoba e em três dias tomou o poder. Perón fugiu a bordo de uma canhoneira enviada pelo ditador do Paraguai, Alfredo Stroessner.

Ele passou então 18 anos exilado na Espanha, tendo em 1961 casado com a dançarina argentina María Estela Martínez de Perón, a Isabelita

Como a instabilidade política perdurou na Argentina, com quarteladas a torto e a direito e dez presidentes se sucedendo entre 1955 e 1973 sem nenhum deles concluir um mandato completo, Perón acabou sendo novamente eleito quando o país se redemocratizou. Assumiu em outubro de 1973 e morreu em julho de 1974, aos 78 anos, de uma doença arterial (outro risco que corremos, seja com Lula, seja com Bolsonaro, se o Brasil avacalhar-se de vez passando uma borracha sobre seu rosário de crimes).

Isabelita era sua vice, mas nem de longe uma nova Evita. Presidente entre julho/1974 e março/1976, ficou emparedada entre a oposição da direita e dos militares, de um lado, e a exigência de medidas arrojadas por parte dos peronistas (que, vale dizer, não a estimavam), do outro. Segurou o rojão enquanto pôde e foi destituída por um golpe de estado desta vez unânime: as três Armas participaram.

Condenaram-na a cinco anos de prisão domiciliar, findo os quais ela fixou residência na Espanha. 

Contudo, no início de 2007, quando estavam sendo reabertas causas judiciais referentes a cidadãos assassinados pelos governos militares, ela também entrou na dança, acusada de responsabilidade por um óbito ocorrido quando presidia o país. A Argentina pediu sua extradição mas a Espanha negou, por considerar o episódio já prescrito.

A aparição de Michelle Bolsonaro como a favorita para vencer o segundo turno caso ele fosse disputado hoje é um péssimo agouro. 

Assim como Isabelita herdou a presidência com a morte de Perón, a Michelle poderá ser a beneficiária da morte política de Jair Bolsonaro que, por mais que esperneie, tem um encontro marcado para breve com o cumprimento da longa pena de prisão que há muito faz por merecer.

Ela nem de longe tem o brilho de uma Evita, mas tampouco o têm os três filhos zero à esquerda do Bolsonaro. Então, quando cair para o golpista-mor a ficha de que presidiários não disputam eleições presidenciais, por mais que ele tente impor o bananinha como substituto, a direita o pressionará a apoiar Tarcísio ou Michelle. Desgraça pouco é bobagem. (por Celso Lungaretti)  

segunda-feira, 23 de junho de 2025

POR SE PROSTRAR À POSTURA IMPERIAL DOS EUA, A ONU TEM DE SER SUBSTITUÍDA POR UM NOVO PACTO ENTRE AS NAÇÕES

oliveiros marques
MORRE A ONU
Urge sepultar esta velha dama indigna
A poucos meses de completar 80 anos, morre em Washington uma senhora que veio ao planeta com a missão de garantir a concertação mundial. 

Apesar de ter falhado algumas vezes ao longo dessa trajetória, nunca antes se mostrara tão incapaz de reagir. Nunca fora tão desprezada, humilhada e violentada quanto neste 21 de junho. Os Estados Unidos tripudiaram sobre ela.

Trump, em sua postura de imperador do mundo, comete um crime gravíssimo ao contrariar diversas resoluções internacionais. A mais séria delas: a que proíbe ataques a instalações nucleares. 

O imbecil laranja sequer tinha autorização de seu Congresso para realizar o ataque contra o Irã. Mas, como imperador, julga-se autossuficiente.

Os Estados Unidos repetem o roteiro do Iraque. Baseados em falsas narrativas sobre armas nucleares, Trump ataca o Irã — país signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares — apenas para fazer o jogo sujo de seu comparsa Benjamin Netanyahu. Vale lembrar: Israel nunca assinou o tratado, e os EUA abandonaram-no já no primeiro governo Trump.

Com esse ataque ao Irã, a mão que pairava sobre os Estados nacionais deixa de existir. O recado é claro: se eu quiser o seu petróleo, suas terras raras, seu lítio — qualquer riqueza do seu território — direi que você tem armas nucleares e o atacarei. 

E não nos esqueçamos: não há qualquer relatório da
Agência Internacional de Energia Atômica que aponte enriquecimento de urânio em nível necessário para fins militares no Irã.

O único país no mundo que já utilizou armas nucleares — os EUA, contra Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra Mundial — não pode se arrogar o direito de regular a ordem global. Aliás, mesmo quando ainda eram signatários do Tratado de Não-Proliferação se empenharam em reduzir seu próprio arsenal. 

Cinicamente, sustentam um discurso que vale para os outros, mas não para si mesmos. E o objetivo é escancarado: manter-se como a maior potência militar do planeta, a ponto de ameaçar anexar o Canadá, tomar a Groelândia na mão grande, ou mudar o nome do Canal do Panamá.

É urgente a refundação, articulando-se um novo pacto entre os países, para além da ONU — que se mostra, a cada dia, mais subserviente aos interesses estadunidenses. Um novo eixo precisa emergir no mundo, capaz de confrontar, de forma firme e definitiva, a postura imperial dos Estados Unidos. (Oliveiros Marques é sociólogo e colaborador do Brasil 247)
.
sobre o mesmo assunto, leia também (clique p/ abrir):

A INSPIRAÇÃO DO SUPERCRAQUE É MUITO MAIS RARA E VALIOSA NO FUTEBOL QUE A TRANSPIRAÇÃO DO PROFISSIONAL DO ANO

N
ão costumo aplaudir as declarações do técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, mas desta vez ele acertou em cheio, ao explicar o que diferencia o melhor futebolista do século 21 (e talvez de todos os tempos) de um dos maiores artilheiros da História:
"Um (o Messi) tem o talento natural, o outro (Cristiano Ronaldo) tem preparação e trabalho. Não sou Federer, sou mais Nadal. Tenho que correr. Não só por ser português. Me vejo muito mais no que é o Cristiano Ronaldo. Sorte a nossa que ainda conseguimos desfrutar do que os dois ainda podem dar".
Também Mourinho ficou sempre num patamar inferior...
É o motivo pelo qual assistir a todos os jogos que pude do Messi me fez muito feliz. O talento natural dele, do Pelé, do Maradona, do Garrincha, do Puskas, do Ronaldinho Gaúcho, é algo muito mais raro do que o esforço extremado de um jogador da prateleira inferior à desses gênios para, mesmo assim, obter grande destaque no ofício.

Só que aquilo que mais me encanta no esporte é a arte, a inspiração, e não a transpiração. E os craques, os talentos superiores, fazem coisas que os inferiores esforçados quase nunca conseguem fazer. Se alguém quer saber a diferença, basta comparar as seleções de melhores gols do Messi e do CR7. Um produz obras primas. O outro, apenas, gols. 

Exatamente por ter desde muito cedo me acostumado a ver os golaços de Pelé e Garrincha, jamais considerarei iguais aqueles que um Vavá peito de aço marcava. Eram gols também e igualmente asseguravam vitórias. Mas, passada a emoção do momento, os que ficaram para sempre guardados na minha memória foram os gols dos artistas, não os dos profissionais do ano.
...ao do melhor técnico do século 21, Guardiola

E, como Abel Ferreira, que não é brilhante, mostra saber quais são seus equivalentes (no tênis o Nadal e como técnicos, embora ele não haja dito, o José Mourinho e o Diego Simeone), eu também tenho isso bem claro, pois assisti a todas as partidas do Federer que pude, bem como os jogos de times treinados pelo Guardiola e o Jorge Jesus. 

E no boxe tive o privilégio de acompanhar atentamente a carreira de Muhammad Ali, que além de incrível boxeador, era melhor ainda como cidadão idealista que não media sacrifícios ao travar o bom combate. 
,
(por Celso Lungaretti) 

domingo, 22 de junho de 2025

BOMBARDEIO DE TRUMP AO IRÃ: ACELERA-SE O CONFLITO GENERALIZADO


O
discurso farsesco de condenar os países agressores - usado pela mídia contra a Rússia quando de sua invasão à Ucrânia -, caiu por terra quando Israel atacou o Irã com a justificativa de impedir o desenvolvimento de armas nucleares por parte desse país. A mídia, os EUA e seus vassalos europeus, ao invés de condenarem veementemente o ataque ilegal, buscaram não apenas justificar, mas também incentivar novos ataques. O auge desse processo ocorreu na noite deste sábado, 21/06, quando o protótipo de ditador Donald Trump ordenou o bombardeio de instalações nucleares no país persa. Cinicamente, justificou seu ataque criminoso e temerário como sendo em prol da paz. 

Netanyahu aplica a solução final
em Gaza. 
A escalada da guerra no Oriente Médio vem após um ano e meio de massacre ao povo palestino, um extermínio a céu aberto promovido pelo estado terrorista de Israel, uma verdadeira solução final imposta a Gaza cujo objetivo é o controle total deste território e sua transformação em assentamentos israelenses. Netanyahu, o rosto horrendo do massacre, não satisfeito com suas ações ali, resolveu generalizar a guerra atacando seus vizinhos: ao norte contra o Líbano, vítima de uma invasão criminosa; ao sul contra o Iêmen, atacado rotineiramente com mísseis; e agora ao leste contra o Irã. Contra esse último, contudo, se deparou com um adversário militarmente poderoso e o revide foi pesado.

É difícil saber ao certo o impacto dos ataques iranianos contra Israel, pois desde 2023 o governo de Netanyahu impõe pesada censura contra a imprensa e contra a população sendo, por exemplo, proibido aos cidadãos postar vídeos de ataques nas redes sociais. Certamente o número de mortos por lá deve estar na casa de centenas e o domo de ferro, eficaz contra os foguetóides do Hamas, se mostrou ineficaz contra os mísseis balísticos iranianos. 
A escalada bélica segue o rastro da crise capitalista que provoca instabilidade política em nível global. De Moscou a Teerã, passando por Washington e Tel-aviv, a crise engolfa os governos e ameaça a estabilidade do poder burguês. Primeiro, a face de contestação aos governos de turno ruge nas ruas com manifestações e levantes, ou nas urnas, com derrotas eleitorais. Contudo, tal contestação governamental vai tomando uma face de contestação aos próprios regimes, evoluindo para potenciais situações revolucionárias. Para desafogar as pressões, os governos têm optado pelo caminho da guerra, seguindo uma receita tão antiga quanto o próprio capitalismo.
 
A guerra permite impor medidas de exceção, isolar os dissidentes, enviar trabalhadores para morrer nos campos de batalha e, sobretudo, manter a reprodução do capital através da economia voltada para a guerra. Em momento de crise aguda do capitalismo, é a saída burguesa para garantir a sua ditadura de classe

Pressionados internamente, 
uma guerra com Israel e EUA é
um movimento arriscado para os 
aiatolás.
Ao mesmo tempo, é uma ação arriscada, pois pode desencadear ainda mais instabilidade e abrir o caminho para uma ruptura revolucionária. Hoje, por exemplo, uma guerra generalizada no Oriente Médio significaria o aumento ainda maior da pressão inflacionária mundial, desencadeando um aprofundamento da instabilidade política. Por isso, Trump e Putin estavam cautelosos sobre o conflito, sendo que o primeiro relutava em entrar na guerra. Contudo, diante da devastação sofrida pelo estado colonial israelense, não teve outra alternativa senão intervir. Está agora nas mãos de Putin, pelo lado iraniano, evitar a escalada da guerra.

Aos aiatolás a guerra é também uma aposta. Por um lado, garante o alívio da pressão política interna, mas por outro lado pode levar à derrocada de seu poder. Igual aos demais países, o regime teocrático encontra-se fragilizado e uma guerra, com vitória ou derrota, poderia levar a um levante popular. Uma invasão estadunidense ao país persa certamente significaria o fim da ditadura teocrática, mas o início de uma longa e cruel guerra, com consequências muito piores que as provocadas pela guerra do Iraque. 

O melhor dos mundos seria a destruição mútua do regime islâmico de Teerã e do estado colonial israelense, pois a situação em Israel também caminha para um ponto insustentável após quase dois anos de guerra ininterrupta e um custo de vidas e de infraestrutura cada vez maior. A cada míssil iraniano que caí dos céus, a moral sionista desvanece um pouco mais. 

Para completar o quadro, não podemos nos esquecer que bem próximo a Irã e Israel outro conflito bélico se desenrola, desta vez entre duas potências abertamente nucleares:
Paquistão e Índia

Gradativamente, ou nem tanto, o capitalismo vai conduzindo o mundo para a guerra generalizada, única alternativa desse sistema bárbaro e desumano para solucionar a crise insolúvel que está em sua raiz. (por David Coelho) 

sábado, 21 de junho de 2025

ESTE FILME MOSTRA QUANDO AS PEDRAS ROLANDO NA SOCIEDADE DERAM LUGAR ÀS MOEDAS ROLANDO PARA COFRES FORTES

O
s Beatles e os Rolling Stones iniciaram suas trajetórias em solo inglês no ano de 1963, mais como bandas fortemente influenciadas pelos roqueiros estadunidenses de tradição bluesística, como Muddy Waters, Lightnin' Hopkins, Freddie King, John Lee Hocker, Sonny Boy Williamson, etc.  

Mas, a partir do sucesso avassalador dos Beatles, em algum ponto do caminho os Stones resolveram se tornar algo como o lado negro do quarteto de Liverpool. A cada LP edificante dos primeiros seguia-se um sarcástico e pessimista dos segundos, que, inclusive, responderam ao orientalismo e ao clima de contos de fadas das canções dos besouros em 1967 proclamando-se satanistas e lançando uma canção de autoglorificação de Lúcifer, "Sympathy for the Devil".
 
Já tendiam mais para o sucesso de escândalo (seu primeiro grande hit mundial, "Satisfaction", sugere no ritmo e até na letra, um paralelo com o ato de masturbação) e exacerbaram cada vez mais as provocações, vendo aumentar seu prestígio junto à juventude cada vez que algum figurão moralista se escandalizava com as danças andróginas do Mick Jagger, p. ex. 

Em 1969, quando o Festival de Woodstock se revelou o ponto culminante do movimento de paz & amor, os Stones resolveram responder com um concerto gratuito num autódromo da Califórnia, por meio do qual eles pretendiam eclipsar a apresentação daquelas dezenas de artistas importantes num sítio da zona rural de Nova York.

Mas, bancando o investimento eles próprios, não quiseram arcar com o custo de um serviço de segurança profissional: fizeram um acordo com os Hell's Angels, motoqueiros truculentos que eram inimigos figadais dos hippies, pagando os seus préstimos com cerveja. 

Resultado: o concerto inteiro, desde o show de abertura a cargo do Jefferson Airplane, transcorreu com escaramuças entre os dois grupos, culminando com o esfaqueamento e morte de um hippie a uns 20 metros de distância do palco principal. 

Assim, três meses e meio depois de Woodstock projetar a esperança num mundo redimido,  o rock horror show de Altamont teve o efeito de um banho de água fria, mostrando a carga de violência que as pessoas ainda traziam consigo, pronta para aflorar por dá cá aquela palha.   

O filme Gimme Shelterdirigido por Albert e David Maysles juntamente com Charlotte Zwerin, começa com imagens e músicas de um show dos Stones no lendário Fillmore East de Nova York, pouco antes do 6 de dezembro de 1969 para o qual estava marcado o concerto de Altamont. 

Fãs que tentavam invadir o palco iam sendo retirados com violência pelos seguranças. As energias negativas que eram também liberadas pelas performances dos Stones estavam soltas no ar, como um prenúncio do que viria a seguir.

Vemos então todo o trabalho de preparação do espetáculo e sua tempestuosa realização. Um mérito do documentário é que nada foi excluído, mesmo a incapacidade dos Stones para lidar com a tensão dominante.

Mick Jagger cansa de pedir ao público que pare de brigar, mas não é atendido e fica perplexo, sem saber o que falar ou fazer.

No final, mostram-se os Stones assistindo a teipes da pancadaria, ainda sem terem algo a dizer sobre tudo aquilo. Haviam sido ultrapassados por tais acontecimentos e o mal estar persistia meses depois. 
Em termos musicais, talvez seja a melhor coleção de canções dos Stones reunidas num filme da banda. Infelizmente, a beleza daquelas músicas e daquele beautiful people havia sido obscurecida por rompantes de uma chocante violência primitiva.

Quanto aos Stones, provavelmente não acreditaram no falatório de que tal explosão de violência se deveria a estarem presunçosamente se intitulando Suas Satânicas Majestades, mas, por via das dúvidas, deixaram de invocar figuras sobrenaturais (e também de enfocar certas mazelas sociais) em suas músicas. direcionando-as para um pop inofensivo, sem reais ambições artísticas. As pedras deixaram de rolar, sendo substituídas pelas moedas rolando para os cofres fortes. 

Por ser muito mais do que mero documentário musical, com sua proposta de servir como registro do esgotamento e início da queda da idealista e generosa segunda geração do rock (a primeira tendo sido a do Elvis Presley), Gimme Shelter foi incluído na exigente Criterion Collection, dedicada principalmente aos clássicos da sétima arte (por Celso Lungaretti)

quinta-feira, 19 de junho de 2025

NUMA DÉCADA AGÔNICA, ESTE FILME RESGATOU NOSSOS SONHOS E ESPERANÇAS. HOJE TAMBÉM NOS FALTA UM ALENTO

Um dos filmes com intenções políticas mais poéticos da história do cinema, Jonas que terá 25 anos no ano 2000 (que completará meio século no ano que vem...) mostra uma Suíça que, em meados da década de 1970, retornara à plena normalidade capitalista, nada restando dos ventos de mudança que sopraram fortes em 1968, com exceção de um ou outro indivíduo isolado que representava alguma faceta das utopias cultivadas pela geração anterior.

Já não existia um projeto coletivo a imantar tais vertentes, mas os pequenos profetas (como o ótimo diretor Alain Tanner  os qualificou em entrevistas) continuavam tentando levar adiante, isoladamente, aquilo em que acreditavam. Eram oito, todos com os nomes iniciados por M (de maio, o mês das barricadas francesas).
O personagem Mathieu segue as pegadas de Rousseau

Uma teia de circunstâncias inesperadas os vai colocando em contato, até que os oito se reúnem numa única ocasião, congraçando-se na fazenda do personagem que se dedica ao cultivo de vegetais sem contaminação química. É quando almoçam exultantes, numa sequência, belíssima, que simboliza a 
Santa Ceia

Bem naquela fase e sob tais auspícios, o casal de fazendeiros gera um filho, que terá o simbólico nome de Jonas. 

A alusão é ao profeta que foi engolido pela baleia mas sobreviveu, assim como o filme acena com a esperança de que a criança sobreviverá à gordura capitalista para, no ano 2000, corporificar uma nova e definitiva síntese dos ideais dos pequenos profetas.

Embora o filme não esclareça como isto se dará, parece destacar sobretudo a via representada pelo personagem Mathieu (São Mateus?), que Rufus interpreta.

Ele quer educar as crianças de forma que não percam sua bondade natural, escapando ilesas aos condicionamentos ideológicos que uma sociedade corrupta lhes tenta impor, mais ou menos como Jean-Jacques Rousseau preconizou em Emílio, ou Da Educação

Hoje, quando as melhores esperanças da humanidade parecem ter ficado para trás, substituídas pelos piores augúrios quanto à própria sobrevivência da nossa espécie, Jonas... é um filme simplesmente obrigatório. 

Até por colocar em questão algo que realmente vale a pena discutirmos: se 1968 foi uma primavera que passou em nossas vidas ou o ensaio geral de uma revolução que ainda chegará. (por Celso Lungaretti)
Clique aqui para assistir ao filme completo no Youtube

quarta-feira, 18 de junho de 2025

...E SE TRUMP FOR MESMO O ANTICRISTO?

"E eu pus-me sobre a areia do mar, e vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre os seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabeças um nome de blasfêmia" (Apocalipse 13:1)

"E a besta que vi era semelhante ao leopardo, e os seus pés como os de urso, e a sua boca como a boca de leão; e o dragão deu-lhe o seu poder, e o seu trono, e grande poderio"(Apocalipse 13:2)

"E vi uma das suas cabeças como ferida de morte, e a sua chaga mortal foi curada; e toda a terra se maravilhou após a besta" (Apocalipse 13:3)

"E vi subir da terra outra besta, e tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro; e falava como o dragão" (Apocalipse 13:11)

"E exerce todo o poder da primeira besta na sua presença, e faz que a terra e os que nela habitam adorem a primeira besta, cuja chaga mortal fora curada" (Apocalipse 13:12)

"Aqui está a sabedoria. Aquele que tem discernimento calcule o número da besta, pois é número de homem; e esse número é seiscentos e sessenta e seis". (Apocalipse, 13:18)

Pode-se dizer que esta meia-dúzia de versículos está por trás de todo o alarmismo dos mercadores do templo através dos tempos; e de todos enredos de ficções literárias, teatrais, cinematográficas e musicais sobre a vinda de um anticristo.

Ultimamente foi acrescentado um pitoresco complemento à profecia, qual seja a identificação das duas bestas: a primeira seria o Hitler e a segunda, o Trump. Besteirol ambíguo tem a vantagem de poder ser interpretado ao gosto do freguês.

Há, contudo, uma reminiscência de pouco mais de dois milênios atrás que me tira o sono. E não se trata de um produto da imaginação inflamada ou calculista, mas sim de um verdadeiro acontecimento histórico, datado de 10 de janeiro de 49a.C.

Foi quando o general Júlio César, reagindo às decisões do Senado romano contra ele, gritou A sorte está lançada!, atravessou o rubicão com suas tropas e tomou o poder.

É que, apesar das guerras civis, nenhum senhor da guerra ousara até então desafiar a proibição tradicional de transpor o riacho à frente de suas legiões e chegar ao coração do reino (e, em seguida, da república) para impor-se como o novo mandachuva.
Parafraseando a frase célebre dele sobre a conquista da Gália, César ousou, viu e venceu, inaugurando o ciclo dos imperadores. 

Mas, era de esperar-se que mais dia, menos dia, alguém cederia à tentação de lançar a sorte, esperando dar-se bem.

Fico matutando que desde 9 de agosto de 1945 ninguém mais se atreveu a usar uma bomba atômica contra seu inimigo, pois as imagens dos horrores de Hiroshima e Nagasaki serviram para dissuadir até os mais empedernidos detentores dessas armas apocalípticas. 

E, quando a primeira bomba atômica soviética foi testada com sucesso em 29 de agosto de 1949, um motivo ainda mais assustador para ninguém tentar a sorte foi acrescentado: o receio de que a explosão da primeira bomba provoque reação idêntica do inimigo ou de algum aliado seu, gerando uma escalada que acabe extinguindo a espécie humana.

Na célebre crise dos misseis cubanos, em 1962, chegou-se muito perto de derrubar a primeira pedra do dominó macabro. Mas John Kennedy e Nikita Kruschev, vendo abrir-se à frente deles o abismo que poderia tragar a humanidade, recuaram no enésimo momento. E nunca mais o risco foi tão grande.

Vai sê-lo agora? O Irã possuirá mesmo uma bomba atômica pronta para lançar contra Israel? Trump pretende mesmo cumprir a ameaça de assassinar à distância o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, se o país não render-se incondicionalmente?

O certo é que a responsabilidade de evitar o pior está sobre os ombros de Trump e não nos 
do aiatolá, que já não tem mais para onde recuar, com seu país reduzido a escombros;  nem nos do corrupto Netanyhau, que deixará de ser premiê tão logo a crise chegue ao desfecho.

Só nos resta torcer para que o alarmismo supersticioso não passe mesmo de um disparate e Trump só tenha do anticristo o narcisismo exacerbado.  E, por via das dúvidas, que tal dar três batidinhas na mesa? (por Celso Lungaretti)
Related Posts with Thumbnails